BARTONELLA

Introdução

Bartollena bacilliformis, germe descoberto por Barton, em 1909, e cujo nome atual foi dado por Strog, chefe da comissão da Universidade de Harvard que visitou o Peru em 1913.

A denominação verruga  peruana deve-se à idéia de que a doença não existia em outros territórios fora do Peru. Mais tarde ocorreram e foram registrado casos em Mariño, Colômbia e na província de Loja, Equador. Por outro lado Oroya, cidade mineira de Sierri, Peru, está ligada á bartolenose somente pelo fato de nela ter ocorrido a maior epidemia dessa doença, em 1870, durante a construção de estrada de ferro transandina, que unia Lima àquela cidade; o processo  desencadeou-se com características muito graves no trajeto compreendido entre Chosica e Matucana, zona distante de Oroya, onde não existe a “febre de Oroya”.

Foi então que surgiu uma questão amplamente debatida. Enquanto alguns autores afirmavam que a febre anemiante e grave que ceifava os operários (mais de 7.000 mortos ) era apenas a fase inicial de uma doença à qual, se o paciente sobrevivesse, acabava em um surto verrucoso, outros acreditavam que a febre e a verruga eram entidades diferentes. Foi Espinal, em 1871,quem pela primeira vez sustentou a tese unicista, que se provocou ser a correta. Não obstante, a falta de fatos experimentais manteve vivo o problema durante anos. Em 27 de agosto de 1885, Daniel Alcides Carrión, estudante do 6º ano de medicina, inoculou em ambos os braços material proveniente de um enfermo com verruga peruana. Vinte e um dias depois apresentou-se um quadro grave que os clínicos de então consideraram o da “febre de Oroya“. Lamentavelmente, o generoso pesquisador  morreu depois de 18 dias de doença clínica. Desse fato de deduziu que febre anemiante, mais tarde denominada por Odreizola “febre grave de Carrión“, era tão-somente uma fase da verruga peruana”.

As controvérsias sobre a verdadeira natureza da doença que vitimou Carrión perduravam por várias razões, entre elas o desconhecimento do agente causal, que 24 anos depois foi descrito e ulteriormente cultivado. O que está fora de dúvida é que a atitude de Carrión foi das mais sublimes registradas na história da Medicina e constituiu, para os peruanos, ensinamentos inulvidáveis. A doença tomou o nome de Carrión, desde 1886, por sugestão do Alcedán. O dia 5 de outubro, data da morete de Carrión, é o dia da medicina no Peru.

Em 1985, completou-se o primeiro centenário de seu comovedor sacrifício. A Faculdade de ciências Médicas da Universidade Nacional de Trujillo consagrou em uma memória um mural de 100m², trabalhado em mosaico policrômico, no qual a figura central é sua efíge de homem andino.

 

  1. Descrição do Agente

 

A Bartenella bacilliformis é um germe dotado de motilidade, polimorfo, da ordem Rickettsae, família Bartonellaceae e espécie única desse gênero. A classificação taxonômica é, para alguns autores, discutível.

Nos esfregaços de sangue periférico observaram-se formas baciliares com finas granulações nas extremidades e ao longo do germe, mais bem identificado com microscópio eletrônico. As dimensões variam entre 0,25 e 0,50µ de largura e 1 a 3µ de comprimento. Observaram-se, também, cadeias curtas em V, Y ou X e elementos nitidamente cocóides ou cocobacilos. Segundo a descrição original de Bartom, considera-se ser o germe “endoglobular”. Aldana conseguiu separá-la do glóbulo sem produzir hemólise mediante lavados com solução fisiológica, por onde se deduz- desses e de outras experiências afins  que a Bartonela é paraglobular. Não obstante, experiências de Cuadra e Takano realizadas com o auxílio do microscópio eletrônico e cortes finos de hemácias parasitadas que sofrem lise ou não, permitem observar nitidamente que o germe ocupa uma posição “endoglobular”. Acredita-se que o mecanismo de penetração do germe no glóbulo seja o da pinocitose.

O número de germes por hemácias e a percentagem de hemácias parasitadas são variáveis e depedem da gravidade do quadro. Podem ser corados pelo Giemsa. Leishman e similares, mas não pelo Gram.

Nem sempre é possível observar a motilidade; eles possuem parede celular definida e, em um dos pólos, cinco ou mais flagelos. Particularidade interessante é que pelo menos alguns de seus flagelos desprendidos no meio de cultura evoluem até adquirir um aspecto de pirosqueta; eles se reproduzem por fissão binária, desenvolvem-se em meios artificias como o de Noguchi (paraleptospira), ágar-sangue, caldo nutritivo co adição do sangue do doente (hemocultura) e em meio de “fases”. São aeróbicos e microaerófilos. Temperatura ótima: 28°C.

 

  1. Epidemiologia

 

 

O inseto vetor é o Lutzomya verrucarum. Nas áreas endêmicas foram também encontrados L. noguchii e L. peruensis. Os cuidadosos trabalhos de Hertig contêm relatórios fundamentais e revisão crítica dos trabalhos de Towsend, Noguchi e cols. E de outros autores. Segundo Hertig, somente o L. verrucarum exerce papel importante na transmissão da doença. Suas experiências compreenderam desde a cultura dos insetos até a picada espontânea em macacos, com isolamento do patógeno em hemoculturas de alguns deles. Não se observou surto epidêmico. A inoculação de culturas de Bartonella produziu nódulos verrucosos locais. Outros autores também descrevem o aparecimento de nódulos depois de diversas inoculações.

Na epidemia do vale de Mantaro, Herrer & Blancas não encontraram Lutzomia verrucarum na zona, o que constituiu um fato de grande interesse. Das duas espécies encontradas (L. pescei e L. bicornutus), a primeira é que coincide com a área de dispersão da doença, motivo pelo o qual se considera L. pescei também como possível transmissor da verruga.

O reservatório seria o homem que, clinicamente enfermo ou não, é o portador durante  prazo variável. Aldana e Hurtado isolaram Bartonella mediante hemocultura em habitantes assintomáticos de regiões endêmicas, assim como os isolaram em todas as fases do processo, muito tempo depois de passada a febre.

Nos estudos de Maguiña, as hemoculturas foram negativas na fase eruptiva em 13%. Herrer pôde recuperar, depois de vários dias, Bartonella do tegumento de esquilos inoculados por via cutânea; baseado nesse fato acredita-se que a Bartonella pode permanecer viável muito dias na pele de roedores não-suscetíveis à doença e que tenham ido picados por insetos infectados; isto poderia ter algum valor epidemiológico. Desconhece a existência de outros reservatórios.

Não foi confirmada a teoria segundo a qual, certa euforbiáceas podem servir de reservatório. Herrer observou, em uma das áreas endêmicas por ele estudadas, que a mais alta incidência do processo ocorre durante os primeiros anos de vida.

Maguiña encontrou uma erupção errucosa em pacientes com menos de um ano de idade, entre os quais um de quatro meses. Urteaga descreve o aparecimento de surtos endêmicos em grupos de indivíduos que, por motivo de trabalho, se instalaram em zonas essencialmente rurais e afastadas de lugares povoados; nessas zonas, a doença aparece na ausência de indivíduos que funcionem como reservatórios. Considerando que o vôo do vetor não exerce 2Km, acredita o autor na provável existência de reservatórios não-humanos nessas áreas, o que explicaria os casos por ele estudados.

 

  1. Patogenia

 

 

A doença de Carrión apresenta dois aspectos clínicos diferentes: a primeira fase do processo é febril e anemiante; a segunda se caracteriza pela erupção verrucosa. Entre eles se reconhece um período pré-eruptivo, intercalar.

O período de incubação, segundo Maguiña, é muito variado, com média de 61 dias; antes considerava  que fosse de  21 dias. A doença é contraída pela permanência, à noite, em áreas endêmicas; há casos, porém, em que a exposição foi de apenas algumas horas.

A sintomatologia pode instalar-se bruscamente, com calafrios, febre, mal-estar generalizado, anorexia e cefaléia. A intensidade desses sintomas pode variar muito. São muito freqüentes as artralgias e a mialgia. O sinal básico é anemia, cuja intensidade é também variável. A palidez é notória. Nos casos típicos e graves, a evolução é tal monta que, diariamente, se perdem 300.000 a 400.000hemácias, chegando a hipoglobulia a valores em torno de 800.000 glóbulos por mm³  ou menos (cuadra 1957), o que determina uma hiperplasia do tecido eritropoiético.

Essa fase também pode ser chamada ”febre hemática”. “febre grave de Carrión” ou “ febre de Oroya”, caracteriza-se por elevada mortalidade, uma anemia grave que se instala rapidamente, além de subicterícia ou icterícia, hepatosplenomegalia e hipertrofia ganglionar. Cuadra assinala o valor da adenopatia epitroclear como sinal freqüente. Em casos muito severos, encontrou-se derrame pericárdio, e em outros, anasarca.

Nessa fase, a Bartonella se encontra no sangue periférico. No início do processo predomina a forma bacilar; com a evolução do quadro, as formas cocóides aumentam até de tornarem as mais numerosas. Finalmente escasseiam, até não serem mais observadas em lâminas comuns de sangue. Simultaneamente, a febre diminui e desaparece nos casos não complicados. Com o tratamento antibiótico, registra-se rápida transformação das formas bacilares em cocóides.

Nesse mesmo período, paralelamente ao que sucedem nos glóbulos vermelhos, as células endoteliais apresentam grande quantidade de Bartonella em seu protoplasma.

Essas células pletóricas de germes foram descritas por Strong e cols, e alguns autores denomunam simplesmente “células de Strong”.

Aldana, primeiro, e Urteaga, depois, entre outros, baseados nos trabalhos de Strong e cols, sustentaram que a anemia grave e de evolução rápida tem sua origem fundamental na fagocitose do complexo hemácia-bartonela. A eritrofagia é tão intensa que os histiócitos ficam repletos de hemácias.

Urtega observou que esse fenômeno se processa fundamentalmente no nível dos glâglios. Vários autores estudaram o significado da falta do baço na evolução da febre de Carrión.

Não se comprovou que o germe tenha poder hemolítico Reynafarje e Ramos, empregando isótopos radioativos, confirmaram que a anemia é do tipo hemolítico, produzindo-se a hemólise como conseqüência da intensa eritrofagia que destrói as células do sistema redículo-endotelial, o que indica ser a hemólise do tipo extravascular. Ao excluírem os reticulócitos das medições, estabeleceram também que a anemia é macrocítica e hipocrômica. Finalmente, observaram que a vida das hemácias é mais curta, o que estaria relacionado com a sua maior fragilidade essa paralela ao grau de parasitismo da hemácia.

A febre dura 7 a 28 dias, com um prazo médio de 15 dias. A reticulose, moderada no ínicio, intensifica-se ao declinar a temperatura.

Há hiprbilirrubinemia, com predomínio da fração indireta; aumenta o urubilinogênio fecal; ocorre hiperplasia da medula óssea. Maguiña encontrou leucocitose e desvio moderado para a esquerda na metade de 31 pacientes estudados. Nos restante, os leucócitos estavam dentro de limites normais. A leucopenia, assinalada por alguns autores, não foi evidente.

A segunda fase da doença de Coorión é a verruga propriamente dita, ou seja, a fase eruptiva, na qual aparecem formações cutâneas de tamanho e número muito variáveis. Odrionzola classificou-as em erupçõed “miliares” ( geralmente muito abundantes e de pequenas dimensões) e  “nodulares” ( de dimensões um pouco maiore). Quando crescem excessivamente, são denominadas “mulares”

A erupção pode ser também mucosa ou subcultânea. O surto verrucoso ás vezes se acompanha de febrícula e, geralmente, de dores osteoarticulares.

As verrugas são rosadas, de cor pálida ou vermelho-vinho, e as maiores tendem a ser pediculares; a pele em torno é normal. Não são dolorosas e sangram facilmente. As verrugas duram semanas e mesmo meses, desaparecem por atrofias e reabsorção ou se destacam e caem, depois de adquirir um estado hiperceratóstico, sem deixar vestígios. O surto verrucoso pode permanecer durante um número variável de dias,semanas ou meses. Apesar de não de encontrarem bartonelas no exame direto do sangue periférico durante a fase eruptiva, seu isolamento é possível mediante hemoculturas. Também se descreveu o seu isolamento a partir da verruga.

Segundo alguns autores  não se observa Bartonella no exame direto de esfregaços das verrugas. Mayer, Rocha Lima e Werner descreveram, em seus importantes trabalhos, a presença de elementos semelhantes a corpos de inclusão (“clamidozoários”) no protoplasma dos histiócitos. 

Como já vimos, a hiperplasia do sistema retículo-endotelial é de fato mais proeminente, junto com a anemia, no período febril. A hiperplasia eritropoiético pode dar lugar a focos ectópicos.

A lesão característica do período eruptivo é a “verruga”, que não é mais do que uma reação proliferativa angioplástica. Seu aspecto, dimensões e evolução variam amplamente. A superfície de corte é úmida e homogenia; o tecido que forma não é lobulado. A observação mais importante é a grande neoformação vascular, com proliferação fibroblástica entre os capilares. Os organismos são extracelulares e localizam-se no interstício fibrilar, não no citoplasma.

A presença de verrugas em vísceras, inclusive o eixo neural, tem sido assunto de algumas publicações.

 

  1. Diagnóstico

 

O elemento fundamental do diagnóstico é a presença de Bartonella em sangue periférico. Quando o parasitismo é escasso, recomenda-se a pesquisa em gota espessa.

A hemocultura tem menor valor como elemento diagnóstico, mas é muito importante para indicar a infecção superposta que aparece com freqüência.

A procedência do paciente ou sua permanência noturna em áreas endêmicas  ao lado de um quadro febril eruptivo, devem conduzir á investigação de bartonelose. Convém considerar, todavia, a possibilidade de confusão clínica do surto verrucoso com outros quadros dermatológicos.

A prova de Elisa, usada para fins diagnósticos, tem uma sensibilidade de 95%, e a de Western-Blot alcança 100%. Foi considerado como elemento valioso o isolamento do agente, a partir do verrucoma, e as provas de aglutinação que são positivas em alta percentagem na fase eruptiva.

 

  1. Tratamento

 

O germe é sensível a um grande número de antibióticos. Já se demonstrou a eficiência da penicilina, estreptomicina, eritromicina, aureomicina, acromicina, furadantina e cloranfenicol.

A maioria dos trabalhos foi realizada durante a fase febril. O surto verrucoso é igualmente influenciado pelos antibióticos, em particular pela rifampicina.

Cuadra  considerava ser o cloranfenicol o antibiótico de escolha, em vista da sua atividade simultânea, abrangendo Bartonella e Salmonela, que tão frequentemente complicam a doença; esse conceito é também aplicável às tetraciclinas, que têm boa atividade contra salmonelas distintas da tyhi.

 

  1. Profilaxia

 

No momento, o melhor processo para diminuir a incidência da enfermidade em áreas endêmicas é o uso de inseticidas  que tenham ação sobre o inseto vetor. Uma campanha realizada nesse sentido, adequadamente conduzida, proporcionou ótimos resultados.

Convém evitar, na medida do possível, devido ao risco que implica, a permanência em áreas endêmicas depois do anoitecer, pois o vetor tem hábitos noturnos. Em caso de permanência breve, pode-se recorrer aos repelentes para a proteção individual.

Urteaga é de opinião que, fase de prevalência da doença em áreas rurais, o uso de inseticida é inoperante pela extensão e pelas características do terreno que teria de ser tratado. Segundo esse autor, a medida mai eficaz é a vacinação com germes vivos; entretanto, ainda não se produziu essa vacina.

Fato importante é que, durante a campanha antimalárica, com pulverização de inseticidas, a bartonelose e também o implaudismo ocorrem poucas vezes durante vários anos. Ao se suspenderem as pulverizações, as doenças reapareceram com intensidade em áreas diversas, nas quais cresceram de importância, obrigando as novas campanhas, segundo revelou o Simpósio Internacional sobre a Doença de Carrión, realizado em Lima em 1971.