Agente etiológico - Bactéria helicoidal (espiroqueta) aeróbica obrigatória do gênero Leptospira, do qual se conhecem atualmente 14 espécies patogênicas, sendo a mais importante a L. interrogans. A unidade taxonômica básica e o sorovar (sorotipo). Mais de 200 sorovares já foram identificados, e cada um tem o seu hospedeiro preferencial, ainda que uma espécie animal possa albergar um ou mais sorovares.
Descrição da doença - Doença infecciosa febril de inicio abrupto, que pode variar desde formas assintomáticas e subclinicas ate quadros clínicos graves associados a manifestações fulminantes. Didaticamente, as apresentações clinicas da Leptospirose foram divididas considerando as fases evolutivas da doença: fase precoce (fase leptospiremica) e fase tardia (fase imune).
Fase precose - Caracterizada pela instalação abrupta de febre, comumente acompanhada de cefaléia e mialgia, anorexia, náuseas e vômitos. Podem ocorrer diarréia, artralgia, hiperemia ou hemorragia conjuntival, fotofobia, dor ocular e tosse. Pode ser acompanhada de exantema e frequentemente, não pode ser diferenciada de outras causas de doenças febris agudas. Esta fase tende a ser autolimitada e regride em 3 a 7 dias, sem deixar seqüelas.
Fase tardia - Aproximadamente 15% dos pacientes evoluem para manifestações clinicas graves iniciando-se, em geral, apos a primeira semana de doença. A manifestação clássica da Leptospirose grave e a síndrome de Weil, caracterizada pela tríade de icterícia, insuficiência renal e hemorragias, mais comumente pulmonar.
A síndrome de hemorragia pulmonar e caracterizada por lesão pulmonar aguda e sangramento pulmonar maciço e vem sendo cada vez mais reconhecida no Brasil como uma manifestação distinta e importante da Leptospirose na fase tardia. Esta apresentação clinica cursa com letalidade superior a 50%.
A icterícia e um sinal característico, possuindo uma tonalidade alaranjada muito intensa (icterícia rubinica) e geralmente aparece entre o 3º e o 7º dia da doença. E um preditor de pior prognóstico, devido a sua associação com a síndrome de Weil. Apesar disto, os médicos não devem se basear unicamente na presença de icterícia para identificar pacientes com Leptospirose ou com risco de complicações graves da doença.
Sinonímia - Doença de Weil, síndrome de Weil, febre dos pântanos, febre dos arrozais, febre outonal, doença dos porqueiros, tifo canino e outras. Atualmente, evita-se a utilização desses termos, por serem passiveis de confusão.
Reservatório - Os animais sinantropicos domésticos e selvagens são os reservatórios essenciais para a persistência dos focos da infecção. Os seres humanos são apenas hospedeiros acidentais e terminais dentro da cadeia de transmissão. O principal reservatório e constituído pelos roedores sinantropicos das espécies Rattus norvegicus (ratazana ou rato-de-esgoto), Rattus rattus (rato de telhado ou rato preto) e Mus musculus (camundongo ou catita). O R. norvegicus e o principal portador do sorovar Icterohaemorraghiae, um dos mais patogênicos para o homem. Outros reservatórios de importância são: caninos, suínos, bovinos, eqüinos, ovinos e caprinos.
Modo de transmissão - A infecção humana resulta da exposição direta ou indireta a urina de animais infectados. A penetração do microrganismo ocorre através da pele com presença de lesões, da pele integra imersa por longos períodos em água contaminada ou através de mucosas.O elo hídrico e importante na transmissão da doença ao homem. Raramente a transmissão ocorre pelo contato direto com sangue, tecidos e órgãos de animais infectados, transmissão acidental em laboratórios e ingestão de água ou alimentos contaminados. A transmissão entre humanos e muito rara e de pouca relevância epidemiológica, podendo ocorrer pelo contato com urina, sangue, secreções e tecidos de pessoas infectadas.
Período de incubação - De 1 a 30 dias (em média, de 5 e 14 dias).
Período de transmissibilidade - Os animais infectados podem eliminar a litosfera através da urina durante meses, anos ou por toda a vida, segundo a espécie animal e o sorovar envolvido.
Complicações - Os pacientes podem apresentar comprometimento pulmonar, caracterizado por tosse seca, dispnéia, expectoração hemóptica e, ocasionalmente, dor torácica e cianose. A hemoptise franca denota extrema gravidade e pode ocorrer de forma súbita, levando a insuficiência respiratória – síndrome da hemorragia pulmonar aguda e síndrome da angustia expiratória aguda (SARA) – e óbito. Os médicos devem manter uma suspeição para a forma pulmonar grave em pacientes que apresentem febre e sinais de insuficiência respiratória, independentemente da presença de hemoptise. Pode ocorrer síndrome da angustia respiratória aguda na ausência de sangramento pulmonar. Além disso, outros tipos de diátese hemorrágica, frequentemente em associação com trombocitopenia. Os fenômenos hemorrágicos podem ocorrer
na pele (petequias, equimoses e sangramento nos locais de venopuncao), nas conjuntivas e em outras mucosas ou órgãos internos, inclusive no sistema nervoso central.
A insuficiência renal aguda é uma importante complicação da fase tardia caracterizada geralmente por ser não oligúrica e hipocalèmica, devido à inibição de reabsorção de sódio nos túbulos renais proximais, aumento no aporte distal de sódio e conseqüente perda de potássio. Durante esse estágio inicial, o débito urinário e normal a elevado, os níveis séricos de creatinina e uréia aumentam e o paciente pode desenvolver hipocalemia moderada a grave.
Com a perda progressiva do volume intravascular, os pacientes desenvolvem insuficiência renal oligúrica, devido a azotemia pré-renal. Nesse estágio, podem apresentar hiperpotassemia e os pacientes podem desenvolver necrose tubular aguda, necessitando o inicio imediato de diálise para tratamento da insuficiência renal aguda.
Outras manifestações freqüentes na forma grave são: miocardite, acompanhada ou não de choque e arritmias, agravadas por distúrbios eletrolíticos; pancreatite; anemia e distúrbios neurológicos como confusão, delírio, alucinações e sinais de irritação meningea, meningite asséptica.
Menos frequentemente ocorrem encefalite, paralisias focais, espasticidade, nistagmo, convulsões, distúrbios visuais de origem central, neurite periférica, paralisia de nervos cranianos, radiculite, síndrome de Guillain-Barre e mielite.
Atenção: Os casos da “forma pulmonar grave da Leptospirose” podem evoluir para insuficiência respiratória aguda, hemorragia maciça ou síndrome de angústia respiratória do adulto. Muitas vezes precede o quadro de icterícia e insuficiência renal. O óbito pode ocorrer nas primeiras 24 horas de internação.
Diagnóstico - A suspeita clinica deve ser confirmada por métodos laboratoriais específicos. Na fase precoce, as leptospiras podem ser visualizadas no sangue por meio de exame direto, de cultura em meios apropriados, inoculação em animais de laboratório ou detecção do DNA do microrganismo, pela técnica da reação em cadeia da polimerase (PCR). A cultura garante apenas um diagnóstico retrospectivo. Na fase tardia, as leptospiras podem ser encontradas na urina, podendo ser cultivadas ou inoculadas. Na rotina, os métodos sorológicos são consagradamente eleitos para o diagnóstico da Leptospirose. Os mais utilizados no pais são o teste ELISA-IgM e a microaglutinacao (MAT). Esses exames deverão ser realizados pelos LACENs, pertencentes a Rede Nacional de Laboratórios de Saúde Publica. Exames complementares de maior complexidade ou não disponibilizados nos LACEN podem ser solicitados através dos mesmos ao Laboratório de Referência Nacional para Leptospirose (ex.: imunohistoquimica, técnicas baseadas em PCR e tipagem de isolados clínicos).
Exames inespecíficos - Exames de rotina como hemograma e bioquímica (uréia, creatinina, bilirrubina total e frações, TGO, TGP, gama-GT, fosfatase alcalina e CPK, Na+ e K+), devem ser solicitados. Se necessário, solicitar: radiografia de tórax, eletrocardiograma (ECG) e gasometria arterial. Nas fases iniciais da doença, as alterações laboratoriais podem ser inespecíficas. Na fase tardia da doença as alterações mais comuns são: elevação das bilirrubinas totais com predomínio da fração direta, plaquetopenia, leucocitose, neutrofilia e desvio a esquerda, gasometria arterial sugestivo de acidose metabólica e hipoxemia, uréia e creatinina elevadas, potássio sérico normal ou diminuído, mesmo na vigência de insuficiência renal aguda (potássio elevado pode ser visto ocasionalmente e, nesse caso, indica pior prognostico); creatinoquinase (CPK) elevada; transaminases normais ou elevadas, podendo estar a TGO (AST) mais elevada que a TGP (ALT), anemia
normocrômica, destacando-se que: a observacao de queda nos níveis de Hb e Ht durante exames seriados; fosfatase alcalina (FA) e gama glutamil transferase (GGT) normais ou elevadas, atividade de protrombina (AP) diminuída ou tempo de protrombina (TP) aumentado ou normal, baixa densidade urinaria, proteinuria, hematúria microscópica e leucocitúria são freqüentes no exame sumario de urina;líquor com pleocitose linfomonocitária ou neutrofílica moderada (abaixo de 1.000 células/mm3, comum na 2a semana da doença, mesmo na ausência clinica da evidencia de envolvimento meningeo); pode haver predomínio de neutrófilos, gerando confusão com meningite bacteriana inespecífica, radiografia de tórax: infiltrado alveolar ou lobar, bilateral ou unilateral, congestão e SARA. Alterações cardíacas a exemplo de fibrilação atrial, bloqueio átrio ventricular e alteração da regularização ventricular podem ser identificadas através eletrocardiograma.
Observação: A Leptospirose ictérica esta associada a aumentos séricos de bilirrubina direta, que pode ser diferenciada de hepatites virais pelos achados de aumento nos níveis de CPK, leve a moderada elevação de aminotransferase ( < 400 UI/ L) e leucocitose com desvio a esquerda.
O achado de hipocalemia moderada a grave e útil para diferenciar a Leptospirose de outras doenças infecciosas que causam insuficiência renal aguda. Os resultados dos exames deverão estar disponibilizados o mais breve possível.
Diagnóstico diferencial - Considerando-se que a Leptospirose tem um amplo espectro clínico, os principais diagnósticos diferenciais são:
Fase precoce - Dengue, influenza (síndrome gripal), malária, riquetsioses,doença de Chagas aguda, toxoplasmose, febre tifóide, entre outras doenças.
Fase tardia - Hepatites virais agudas, hantavirose, febre amarela, malária grave, dengue hemorrágico, febre tifóide, endocardite, riquetsioses, doença de Chagas aguda, pneumonias, pielonefrite aguda, apendicite aguda, sepse, meningites, colangite, colecistite aguda, coledocolitiase, esteatose aguda da gravidez, síndrome hepatorrenal, síndrome hemolítico-urêmica, outras vasculites, incluindo lúpus eritematoso sistêmico, dentre outras.
Tratamento - Na fase precoce, deve ser utilizado a Amoxacilina, em adultos na dose de 500mg, VO, de 8/8 horas, durante 5 a 7 dias. Em crianças, administrar 50mg/kg/dia, VO, a cada 6/8 horas, durante 5 a 7 dias; ou ainda pode ser utilizado Doxiciclina: 100mg, VO, de 12 em 12 horas, durante 5 a 7 dias.
Importante: A Doxiciclina não deve ser utilizada em crianças menores de 9 anos, mulheres grávidas e em pacientes portadores de nefropatias ou hepatopatias.
A Azitromicina e Claritromicina são alternativas para pacientes com contra indicação para uso de Amoxacilina e Doxiciclina. Embora o uso de macrolídeos ainda não tenha sido avaliado em testes clínicos, sua eficácia já foi demonstrada em trabalhos experimentais.
Na fase tardia deve ser utilizada em adultos Penicilina G Cristalina: 1.5 milhões UI, IV, de 6/6 horas ou Ampicilina: 1g, IV, 6/6 horas ou Ceftriaxona: 1 a 2g, IV, 24/24h; ou Cefotaxima 1g, IV, de 6/6 horas. Para crianças utiliza-se Penicilina cristalina: 50 a 100.000U/kg/dia, IV, em 4 ou 6 doses; ou Ampicilina: 50 a 100mg/kg/dia, IV, dividido em 4 doses; ou Ceftriaxona: 80 a 100mg/kg/dia, em 1 ou 2 doses; ou Cefotaxima: 50 a 100mg/kg/dia, em 2 a 4 doses. Duração do tratamento com antibióticos intravenosos: pelo menos, 7 dias.
Medidas de suporte - Reposição hidroeletrolítica, assistência cardiorrespiratória, transfusões de sangue e derivados, nutrição enteral ou parenteral, proteção gástrica, etc. O acompanhamento do volume urinário e da função renal são fundamentais para se indicar a instalação de diálise peritoneal precoce, o que reduz o dano renal e a letalidade da doença.